Já não vos escrevia há muito mas cá vos deixo um dos meus últimos artigos. Desculpem a minha ausência mas o trabalho tem sido mais do que muito. Hoje vou vos escrever a necessidade de respeitar e tentar entender o que é afinal um "problema psicológico".
- Isso não é nada, é só psicológico.
- Você não tem nada, é emocional.
- Você está bem, está tudo na sua cabeça.
- É tudo coisas da sua cabeça.
- É só psicológico
- Tira isso da cabeça.
Quem é que nunca ouviu uma frase destas?
Quando é que você falou algo deste género para outra pessoa imagino que
você se tenha sentido muito bem, pois acreditava que estava a dar a “solução”
para os problemas do outro.
Mas quando foi você própria que ouviu uma destas
frases tenho certeza que você sentiu muita raiva além da sensação de incompreensão total por parte de pessoas que muitas vezes
eram consideradas como a sua esperança de encontrar a solução – pois muitas
vezes é o próprio médico que o atende num centro de saúde ou mesmo na
sua clinica que lhe "dispara" este tipo de frase.
Estas frases significam o maior desrespeito que alguém pode demonstrar pelo sofrimento alheio.
Ter um problema psicológico não significa que faltou “força de vontade”.
Ter uma depressão não significa que a pessoa “quer sofrer”.
Ter síndrome do pânico não significa que todos os sintomas passarão se esta pessoa “souber que não tem problemas no seu corpo, mas na sua mente”.
Ser portador do TOC – transtorno obsessivo - não significa que para ficar curada ela deve “apenas parar de fazer o que tem vindo a fazer”
Ser bipolar não significa que a pessoa é “uma desavergonhada”.
Eu gostaria mesmo que, pelo menos as pessoas que lessem este artigo,
tomassem consciência de que um problema de ordem emocional – mental -
comportamental – sentimental, enfim psicológica deve ser respeitado e
tratado como qualquer doença.
Na clínica de psicologia percebemos isso através da quantidade de
pessoas que me ligam não apenas para agendar consulta, mas para entender
junto de mim e ao telefone o que se passa com ela. A própria pessoa
que sofre não tem consciência de que precisa e merece atendimento.
Não há uma só pessoa que ao cortar o dedo avalia a necessidade de um
curativo. Mas quando o corte se dá a nível “invisível a olho nú”, ou
seja o âmbito psicológico, todos avaliam e reavaliam a necessidade de
buscar tratamento. Porquê? Hoje em dia entendo que a crise nos faça repensar se devemos ou não gastar dinheiro com um tratamento que afinal se resolver conversando com um amigo....mas será mesmo assim?
Existe sempre alguém na família ou no seu grupo de amigos que vêm com uma frase do género das acima referidas e demonstra o sofrimento psicológico afinal não existe....
Muitos outros termos demonstram claramente a falta de respeito ao sofrimento psicológico:ele é maluco, não esta bem da cabeça, não joga com o baralho todo, faltam ali alguns parafusos....
Devemos considerar a necessidade em tratamento psicológico quando:
- Há prejuízos em qualquer nível seja ele pessoal, social, emocional, financeiro, etc.
Sendo assim, pense numa pessoa com depressão. Muitos chegam ao ponto de incapacidade profissional, pois a depressão impede o raciocínio claro, a tomada de decisões.
Outros quadros emocionais tiram totalmente a motivação, a vontade de estar com pessoas e o sofrimento a impede de fazer até mesmo sua própria higiene pessoal.
Uma pessoa com síndrome do pânico deixa de sair de casa, já atendi muitos casos que deixaram os seus empregos por se sentirem mal em simplesmente se dirigirem para os seus locais de trabalho.
Negar a condição de “doença” a estas pessoas é negar direito à tratamento.
O que me faz sentir muito pesar é que a maioria dos quadros
psicológicos é tratável facilmente se for atendido no inicio. Claro que
sempre haverá tratamento em qualquer fase, mas para quê adiar?
Só depois de muito tempo é que a família percebe que a pessoa não se
curará sozinha, e que "os ralhetes"para “levantar a cabeça e dar a volta
por cima” não funcionam. Aí sim, eles vão às clinicas de psicologia e
pedem ajuda para tirar a pessoa do “buraco” aquele que foi até agora foi muito
incompreendido.
Muitos comportamentos tidos como normais como por exemplo o tímido
que não consegue namorar, mostrar na sua empresa todo seu potencial, ter
amigos tem problemas psicológicos pois limita sua vida a ponto de
sofrer prejuízos graves. O tímido que chega a este ponto não é mais
tímido, ele é um fóbico social.
Problemas do foro emocional, dificuldades comportamentais, problemas mentais
são todos estigmatizados de forma geral pela sociedade. Mas são questões
psicológicas que devem ser tratadas.
Percebo isso até mesmo nas pessoas que passam por um dos quadros de
sofrimento psicológico pois é muito comum que ela só entenda e sinta empatia
por quem tem exactamente o mesmo problema que ela e desconsidere
totalmente quem tem outro sofrimento diferente. Já vi pessoas com
síndrome do pânico considerarem “um absurdo” quem tem medo exagerado
(fobia) de cães. Já vi pessoas que ficaram de cama quando passaram por
um rompimento com a namorada, mas que desprezaram o sofrimento daquele
que foi despedido.
Será que desprezar o sofrimento psicológico do outro dá a sensação de
ser mais forte que isso e que precisa de demonstrar garantias de que
não será tão frágil assim?
O medo da própria fragilidade emocional faz as pessoas desrespeitarem
a fragilidade alheia. Pois se você considera que é possível para
qualquer ser humano ter problemas psicológicos você terá que admitir que
você também está no risco.
E quer saber? É verdade. Todos estamos arriscados. Não há protecção alguma contra problemas psicológicos. Ter uma educação rígida não te faz mais
forte, ter pais amorosos não garante que você não sofrerá nunca. Passar
por obstáculos pode te ensinar muito sobre a vida mas não garante que
você está protegido....
Respeite, lute para ser respeitado, exija e dê o direito de tratamento a qualquer pessoa que tenha problemas psicológicos.
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